9 de janeiro de 2011

Reportagem no Caderno Donna DC do Jornal Diário Catarinense



A arte de recomeçar
Tive que rever todos os meus conceitos de felicidade
Sentada na soleira da porta, a pequena Dolma acompanhava encantada os movimentos do avô, um conhecido luthier de Blumenau, que ganhava a vida afinando instrumentos de cordas. A menina adorava o som do violino. Durante as férias, ia de Rio do Sul, onde morava com os pais, para Blumenau, só para usufruir da companhia do avô, que, um dia, deu-lhe de presente uma guitarra portuguesa, confeccionada e enfeitada por ele com belos trabalhos de marchetaria.

O luthier morreu há muito tempo, mas na lembrança da artista plástica Dolma Magnani de Oliveira, 67 anos, ele está sempre presente.

– Meu avô era um homem muito criativo e inteligente. É minha grande fonte de inspiração, e sei que cada vez que pinto uma tela, ele está lá, junto comigo, me inspirando.

A arte está no sangue de Dolma. Aos 15 anos ela começou a ter aulas de pintura, pelo método tradicional: primeiro, fazia cópias de desenhos famosos. Depois, de fotografias, até ficar próximo à perfeição.

– Naquela época eu ainda criava muito pouco. Isso ficou para bem mais tarde – relembra.

Nascida em Rio do Sul, a artista plástica é casada com o ex-professor João Maria de Oliveira, que lecionava Matemática na Universidade Federal de Santa Catarina e foi, também, assessor de quatro governadores catarinenses. Eles conheceram-se de uma maneira bastante curiosa. Na época, João Maria trabalhava como fiscal de obras da construção da SC-470, que leva a Rio do Sul. Dolma morava lá com os pais e, um dia, pegou o ônibus para vir a Florianópolis registrar o seu diploma de professora. Ao seu lado sentou-se um homem (que veio a saber depois tratar-se de um primo de João), que começou a questioná-la sobre várias coisas de sua vida. João Maria também estava no coletivo, sentado bem mais atrás.

Quando saíram do ônibus, João Maria queria saber do primo todos os detalhes: quem era, a que família pertencia, se era solteira.

Ele havia sido fisgado pelos olhos claros e sorriso encantador da moça.

Algum tempo depois, durante um Baile do Espírito Santo, João convidou Dolma para dançar. Foi só conversar um pouco para se entenderem. E lá se vão 47 anos de uma feliz união.

Dolma saiu de Rio do Sul aos 20 anos para casar com João Maria. Foram morar em Florianópolis, onde tiveram os filhos Luis Fernando, 45, Henrique, 42, e Jenny, 39. Quando casou, ela parou de dar aulas para dedicar-se aos filhos. Hoje, tem também quatro netos: Mateus, Victória, Laura e Franco.

– Fui a mãe e a babá de meus filhos durante 10 anos, mas continuei desenvolvendo meu gosto pela arte, pintando telas durante todo este tempo – relembra.

Em 1973, com os filhos maiores, decidiu que era hora de voltar a estudar. Cursou Licenciatura em Artes e Criatividade, com especialização, depois, em Artes Plásticas. Foi professora no Instituto Estadual de Educação. Nesta época, prestou concurso para taquígrafa e mudou radicalmente o rumo da sua história. A arte, mais uma vez ficou para depois.

Dolma trabalhou como taquígrafa da Assembleia Legislativa durante 22 anos. Estava no auge da carreira quando recebeu um diagnóstico que mudaria a sua história: estava com câncer de mama, precisava fazer uma mastectomia (extirpação da mama) e esvaziamento axilar. Com isso, a mobilidade de seu braço ficaria comprometida, e não poderia mais continuar na mesma função.

– Fui pega de surpresa num momento em que estava muito bem profissionalmente, e tive que rever todos os meus conceitos de felicidade – conta.

Dolma demorou três anos para recuperar-se e teve sérios problemas de adaptação à aposentadoria compulsória, não planejada, ocorrida de uma hora para outra em sua vida, após a doença.

Para ter energia e seguir em frente com o tratamento, Dolma decidiu que havia chegado a hora de voltar às suas raízes.

– Eu não tinha ânimo para nada, o tratamento adjacente (químio e radioterapia) me deixava muito abatida. Depois, fui orientada pelos médicos a procurar um hobbie, algo que preenchesse meu tempo e minha cabeça. Eu havia represado esta vontade artística que existe dentro de mim, e aquele foi o momento exato de recomeçar – conta a pintora.

Um novo momento

Foi no período de recuperação da saúde que a vontade de Dolma de pintar e expressar seus sentimentos através das tintas e pincéis voltou com força. Ela participou de oficinas coordenadas por artistas plásticos renomados e não parou mais. Hoje, faz várias telas ao mesmo tempo, e está à procura de um espaço para montar o próprio atelier.

As árvores sempre povoaram a imaginação fértil de Dolma e estão presentes na maioria de suas obras.

– As árvores significam vida – explica.

Dependendo da fase que a pintora atravessa, os traços e cores são mais marcantes ou suaves.

– Na última primavera me encantei com as cores das flores. Pintei os flamboyans da cidade e acompanhei a floração. Agora estou na fase dos abstratos, mas as árvores, suas cores, frutos e flores continuam sendo a maior fonte de inspiração.

Após quase 30 anos, Dolma recomeça a caminhada que parou quando tornou-se taquígrafa.

– Todas as fases de minha vida foram de muito aprendizado. Iniciei fazendo cópias mandadas pela minha professora e agora pinto com liberdade, criatividade e o domínio de muitas técnicas.

Dolma está em sua fase mais plena como pintora, e de bem com a vida e com o que ela lhe deu. Pronta para expor suas obras.

– Agora tenho a certeza de que quem comprar um quadro meu estará levando não um artesanato, mas sim uma criação de um artista.

Planos para o futuro? Produzir, cada vez mais e melhor. Ano passado, Dolma participou de uma exposição coletiva no Palácio Cruz e Sousa, e já tem agendada para o final de 2010 sua primeira individual, na Assembleia Legislativa.

Quando não está pintando, Dolma gosta de relaxar assistindo a um bom filme - foi duas vezes ao cinema ver Avatar, uma com o neto pequeno e outra sozinha - para curtir os detalhes. Alquimia na cozinha, na elaboração de pratos que não sejam triviais, também a deixa feliz.

Outro lado que poucas pessoas conhecem é o de seu trabalho voluntário.

– Há mais de 30 anos fiquei muito triste quando deixei de ser professora de artes – recorda.

Nesta época, então, entrou para o Movimento Nacional Escola de Pais, e durante muitos anos coordenou os encontros do grupo de Florianópolis, até sua extinção.

Atualmente, coordena a Escola de Pais de São José, onde todas as semanas são realizados encontros, que têm por objetivo auxiliar os pais que têm dificuldades na criação dos filhos. Dolma também é membro do Conselho Estadual de Entorpecentes. Tempo, para ela não é problema.

– Quando se faz as coisas com amor, sempre se acha tempo para tudo – ensina.


VIVIANE BEVILACQUA


Fonte: Diário Catarinense - Caderno Donna DC - 11 de abril de 2010 | N° 8770 RETRATOS


Link para entrevista no site do Diário Catarinense

Um comentário:

Anônimo disse...

Amiga Dolma gostei de ver o seu Blog espero falar consigo ao telefone brevemente beijinhos da Lurdes